segunda-feira, 30 de julho de 2012

Havia, há.


Havia um louco na cidade. Residia na praça central da cidade, que muitos já chamavam de metrópole, mas de metrópole só tinha vontade. Havia sim um louco na cidade, ele mesmo se dizia louco. A gente toda com o decorrer do tempo passou a cuidar dele; claro, levando comida que não tinha mais serventia ou então uma blusa que não servia ou o filho não gostava mais, porém cuidado mesmo ele nunca recebeu, mesmo que na cidade houvesse um hospício para trata-lo.
Sempre achei que por fim ele gostasse mesmo de ser louco. E as pessoas gostavam também. Só era considerado morador da cidade se no mínimo uma vez tivesse rido de alguma loucura dele. Aliás, quando o assunto acabava nas rodas de conversa, sempre era bem-vinda alguma lembrança de algo que o louco disse ou fez, mesmo que a história já tenha sido contada inúmeras vezes antes.
Uma vez perguntei de onde ele era, ele me respondeu que vinha de lá, e então brinquei e tornei a perguntar: “como a menina de lá de Guimarães Rosa?”, e ele disse que gostava de Rosas, mas nunca tinha sentido o cheiro de nenhuma.
É, realmente, havia um louco na cidade. Até quando os jornais ficaram sabendo disso. Eis que de uma hora pra outra o louco se transformara em celebridade, e sua loucura fora levada para todos os cantos do país.
Havia um louco de verdade em uma cidade. Foi o que disseram umas pessoas que tratavam de problemas de insanidade mental, e logo se prontificaram, em nome dos direitos humanos, a tratar dessa pobre alma indefesa e incapaz.
Em questão de meses o louco que vivia na praça passou a celebridade e a paciente de uma clínica psiquiátrica.
Não há mais louco na cidade. O slogan em defesa da sanidade, saúde e da ordem do sr. Prefeito trouxe o sonhadíssimo título de metrópole a cidade. Quem conhecia o louco como a gente, não soube se ficava triste ou contente; por um lado o louco não era mais louco, e por outro, que ninguém assumia em público, era que na verdade a sanidade da gente dependia dele, assim como as risadas.
Um ano depois o louco voltou para a metrópole, quer dizer, a pessoa voltou a metrópole.. Logo todos correram para saudá-lo e para ter certeza que estava “normal”. Aparentemente sim. Inclusive chegara até mim e disse que agora sabia quem era Guimarães Rosa, e tinha lido livros de outros autores também como Machado de Assis.
Passaram-se um ou dois dias e encontrei-o sentado no banco da praça cabisbaixo, banco cujo rendeu boas risadas e sorrisos de todos os cidadãos da metrópole. Perguntei o que havia acontecido, ele me respondeu que achava que o tratamento não havia tido efeito, porque ele ainda continuava louco, pois disseram pra ele na clínica que ele iria ser feliz, morar em uma casa grande e bonita, acharia uma garota legal e se tornaria o rapaz mais inteligente da metrópole. Eles não mentiriam, continuou, eu que não sou capaz de entender tudo isso, pra mim, quando fui pra clinica achei que era pra me separar das pessoas que não pensavam muito bem, só que lá eles me convenceram que eu era o louco e não as pessoas, me desculpe, mas esse mundo é louco sim, você é louco também, eu sou feliz.
Há loucos na cidade.

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